O Rio de Janeiro é uma cidade repleta de artistas dos mais variados. Mais uma atração turística, por quê não?Por Sônia Araripe, Editora de Plurale em site e Plurale em revista
Originalmente postado na revista eletrônica Balaio de Notícias
Foto: DivulgaçãoSaio apressada de entrevista em Congresso de Meio Ambiente, realizada no Centro do Rio de Janeiro e corro, literalmente, para dar tempo de estar, do outro lado da cidade, em menos de uma hora, no máximo. Pego o carro, respiro fundo e o trânsito, surpreendentemente, fluiu bem. Nem bem deu tempo de cantar alto todas as músicas do rádio, para já ter cruzado o Túnel Rebouças, para deparar-me com a beleza natural da Lagoa Rodrigo de Freitas, tendo a certeza de ter chegado à Zona Sul.
Vã ilusão. O trânsito não estava mais andando no mesmo ritmo. Sabe-se lá por capricho do quê ou de quem, foi hora de amargar num longo engarrafamento sem fim. A esperança de chegar a tempo no próximo compromisso, no Leblon, já era mesmo um sonho ou pesadelo. Ponto morto, primeira marcha. E vice-e-versa. Mais algumas músicas. Nem mesmo a bela vista da Lagoa, com seus ciclistas e corredores disciplinados, já surtia efeito. Veio o escurecer da tarde e ali estava mesmo a certeza de que o trajeto iria demorar muito mais do que o previsto.
Tudo bem! Vamos lá! Estou no Rio de Janeiro, sou carioca da gema, e nada vai me tirar o bom humor. Não é isso? Mas será? Bom, depois de quase DUAS horas de pé prá lá e prá cá nos pedais do carro e muita cantoria desafinada com o rádio, consegui chegar ao destino aguardado, o Shopping Leblon. Para quem não conhece, é perto da Lagoa, perto da Praia do Leblon, no melhor point da cidade. Fosse em Paris, seria quase ali com o astral de Montmartre, estivéssemos em Nova York seria algo como o Tribeca e seus restaurantes contemporâneos e gente antenada. Estamos no Leblon, bairro das celebridades, dos acontecimentos, de onde o Rio acontece.
Se em tupi, a origem de Y-paum, quer dizer, ilha ou entre canais de água, em carioquês significa lugar onde a celebridade mora ou está. Não há dúvida. Se Ipanema já teve sua garota cantada em tantas línguas e os dias de glória, do chopp no Veloso e da Rua Nascimento Silva, 107, do Tom Jobim, o Leblon ficou eternizado pelas novelas de Manoel Carlos, o Maneco, pela música de Marina, do alto do Hotel Marina, falando das luzes se acendendo, pelos filmes moderninhos, pela moda, pelo calçadão, pela gente linda de morrer na praia geladinha. Não tem jeito: definitivamente, a cara do Rio hoje é deste bairro colorido e estiloso. Como na música de Rita Lee, rainha hoje da timeline do twitter como “litalee”, se Ipanema é bossa nova, Leblon é carnaval, suingue e simpatia. Se Ipanema é namoro de mãos dadas, Leblon é amizade colorida que termina em sexo na madrugada de sereno.
Estacionar o carro foi outra tortura. Shopping lotado, claro! Não, não era sábado. Era plena terça-feira. Rezei, rezei e um cristo saiu com o seu automóvel. Lá fui correr para o compromisso. Ah! Esqueci de contar. Era lançamento de livro de Israel Klabin, conhecido de muitos pelo sobrenome quatrocentão e ilustre, mas que tem fama mesmo no mundo de meio ambiente, como interlocutor privilegiado sobre aquecimento global.
Aperto o passo nas escadas rolantes e eis que quase tropeço com um músico clássico vestido a caráter, de terno preto e camisa branquinha feito comercial de sabão em pó, como para um concerto da orquestra sinfônica carregando um violoncelo – ou algum parente musical – numa case com rodinhas. Subimos, eu, o músico e o violoncelo de rodinhas. Achei o rosto conhecido, mas já não tinha tempo de acionar o Intel da memória para procurar o nome do músico. Tinha que chegar a tempo de pegar o lançamento do livro.
Chego ao local. Me senti quase como naquele filme de criança sobre um boneco desejado como presente de Natal que todos querem, sabe qual é? A fila para comprar o livro e dos autógrafos já dava voltas. Não tinha jeito. Era preciso esperar. Quando, com muito custo, consigo o meu exemplar e corro para a outra fila, ainda mais longa, novo tropeço. Desta vez num tipo bem magro, do meu tamanho (alto, portanto), jeito de andróide, quase Blade Runner, quase Frankstein. Está certo, você tem razão, sou mesmo muito distraída ou obstinada demais em atingir metas.
Eis que o tipão se dirige a mim, a esta pessoa totalmente tonta, e pergunta quem é o autor, que lançamento era aquele. O (a) leitor (a), muito mais atento (a) do que esta que vos relata, certamente já tem quase certeza de que tipo estamos falando. Quem? Isso! Arnaldo Antunes em pessoa! O músico, criador dos Titãs e poeta dos mais geniais destes tempos ultramodernos de fim de mundo – com aquela música linda dos Tribalistas, em tom forte constratando com a voz de Marisa Monte – estava bem na frente, falando comigo. Respondi, ainda meio que aturdida, deixando a distração de lado. Opa! Sou jornalista, também não sou tão zonza assim.
Sozinha, fico rindo de mim mesma. Estivessem meus filhos adolescentes perto e iam caçoar desta que vos escreve por horas. Ou seriam dias? Neste ponto você vai querer saber como assim eu – jornalista que vos conto - tropeço com o Arnaldo Antunes, em pouca carne e muito osso, e também com o Jacques Morelenbaum – aquele do violoncelo das rodinhas – e nem fiquei com batimentos cardíacos alterados.
Mas é vero. Quem é carioca da gema e circula bastante sabe bem disso. Na praia, na corrida da manhã, no suco de fim de tarde, no cinema, em qualquer canto tropeça-se em uma celebridade. E nem estou falando aqui dos óbvios lançamentos de filmes, de livros, de festas fechadas, de teatros..... Enfim, locais certos para encontrar os tipos. Estou falando de tropeçar na escada do shopping ou qualquer outro canto comum, digamos assim.
Não tem jeito. O Rio é assim: celebrities por todo lado. Ainda mais no Leblon, celeiro dos celeiros, point dos points. Quem vem de outros estados – e até outros países – fica encantado (a). Imagina a glória de tropeçar com Chico Buarque em pessoa tomando um bom vinho ou fuçando as boas livrarias ali no fim do Leblon? Ou, quem sabe, esta pros moçoilos afoitos, dar de cara com a sensual Camila Pitanga dando uma voltinha de moleton cinza pela Lagoa? Sim, estas coisas acontecem, muito mais do que a vã filosofia possa imaginar.
Esqueci de contar que Arnaldo, Jacques e muitos outros globais estavam em outro evento no mesmo dia, na mesma hora, que envolvia poesia, música, performance, tudo junto e misturado. Mais cara do Leblon, impossível!
Quem é carioca da gema sabe disso. Mãe de três rebentos – no Rio de Janeiro –, tinha que me acostumar com a curiosidade das crianças. E tome de pedir autógrafo no almoço de domingo da churrascaria, furando ondinhas no mar, na fila do cinema, no lanchinho da tarde, no check-in do aeroporto. Não tem jeito. É piscar o olho e lá está a celebridade.
Flashes? Sim, sempre têm. Os amadores e também os oficiais, da turma papparazzi. Mas o Rio é tão repleto de ações ao mesmo tempo que muitos passam mesmo despercebidos. Carioca que é carioca, olha, revira os olhinhos, como diria Dori Caymmi, e finge que não viu. Sabe-se logo quem é turista ou criança que corre, abraça, diz que é fã...
Com o tempo adquiri quase uma imunidade, um senso comum destas figuras. Algumas celebridades mais simpáticas, outras nem tanto, vários de dar dó de inexpressivas... Até porque, vamos combinar, independente de que time você torce ou de que lugar do planeta você tenha vindo, são mesmo figuras normais, iguais a todos. Ainda mais quando a dor de barriga aperta ou a tal da TPM ataca no caso das mulheres. Sem brilho ou glamour, são gente como a gente. Por acaso interpretam, cantam, jogam.... Mas são feitos da mesma matéria que todos nós.
Uma amiga editora do Jornal do Brasil dos bons tempos morria de rir quando eu contava que tinha que pagar este mico com as crianças. Ia lá na celebridade e pedia autógrafo ou para tirar uma foto com os meninos. Ela morria de rir. Mas quase me matou de vergonha quando fui pedir autógrafo para o mestre dos meus mestres, deus dos deuses, o Armando Nogueira.
Também tem isso. Cada um tem a celebridade que lhe apetece. Ou lhe convém. Alguns ficam mudos na frente de Deborah Secco, outros gostam mesmo é de pagodeiro, tem a turma dos jogadores de futebol... Cada um com seu cada qual. Não me perdoo até hoje por não ter tido coragem de pedir um autógrafo ao Tom Jobim, sentado na mesa ao lado da Churrascaria Plataforma, há uns 20 anos. Com seu chapéu de palha, simpático, atendia a quem pedisse. Não era ainda tempo de celulares com câmeras embutidas. Mas ele atendeu a toooodos e ainda deu beijinho nas mais bonitas, claro. Bloqueei.
Lembrei de algumas situações em que “tropecei” em celebridades, virei os olhinhos e me fiz de tonta. E não foram poucos. Na música, nomes de todos os gêneros e tempos: Marisa Monte, Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Elba Ramalho, Arlindo Cruz, etc. e agora também Arnaldo Antunes. De novela, são tantos que prefiro me concentrar no dia que Regina Duarte chegou, bem simpática, e pediu licença para entrar, atrasada, para sua apresentação no teatro. E há ainda os escritores, bailarinos, apresentadores, jornalistas famosos, autores, diretores, a turma do Carnaval... Ufa, uma lista interminável.
Esta aparente imunidade das celebridades só me traiu uma vez. E que vez! Há uns 15 anos, talvez menos, fomos convidados para evento de lançamento de uma cigarrilha cubana no Brasil. Era uma superfesta, no Hotel Copacabana Palace. “Vestiram” o evento como se fosse a velha Havana. Veio até o Buena Vista Social Club! Uma beleza. Com um “pequeno” detalhe: não fumamos, ou melhor, temos pavor de cigarros, quanto mais os legítimos Habanas, charutos ou cigarrilhas. Não tinha como fugir: era uma fumaceira tooooootal.
Depois da apresentação do Buena Vista conseguimos, com jeitinho, achar um cantinho, pertinho do varandão do Copa – onde também imperava a fumaceira – que não estava concorrido e não tinha ninguém fumando. Não me lembro de todos os detalhes. Até porque aqui, vou deixar isso bem claro, não fazem a menor diferença. O fato é que ficamos ali os dois, eu e Newton, quase exilados da ilha, fugitivos da fumaça, tentando respirar um timtim. Viro para um lado, para o outro e respiro um pouco aliviada. Comemoramos juntos como se estivéssemos cantando vitória em 50 com os “companheiros” Fidel e Che. Surge, então, uma loira maraaaaaaaavilhosa, estonteante, vindo em nossa direção. Newton, mudo, de olhos esbugalhados. Eu com cara de tonta, prá variar. Já sabe quem é? Esqueci de descrever a roupa. Um mini vestido, bem curtinho mesmo, de lantejoulas, prateado ou dourado (os detalhes, reforço, não fazem a menor diferença), uma capa bege feito o filme Casablanca por cima, totalmente aberta, para disfarçar um pouco, quase uma pepita em pessoa. Descobriu? Acertou na mega sena?
Isso, Luana Piovani em muuuuita carne e muito osso! Bem simpática, pediu licença e sentou-se no mesmo banquinho estreito que nós dois. Se já estava apertado para os dois, imagina com mais uma – e que uma – junto. Era bem antes desta fase conturbada e polêmica da figura, acho que ainda nos tempos do Rodrigo Santoro, das novelas, sei lá. Não vem ao caso. Luana puxou papo, contou que tinha vindo com uma amiga, que já não a achava mais... Patati-patatá etc e tal. A capa já estava totalmente entreaberta, acho que ela tirou porque estava com calor. Jesus me abana! Fiquei totalmente sem ar. Maridão com os olhos esbugalhados, mudo, mudo. Eu tentando me fazer de calma, já nem olhava mais pros dois metros de pernas clarinhas, nem grossas, nem finas, certinhas feito as de Lalau, lindas de morrer. Suava frio. Não ouvia direito a voz rouca dela, aquele sussurrar inquietante... Estava apática, quase sem voz, sem ouvir... Sem o coração bater. Por um segundo vi o filme imaginário todo se passar na minha cabeça, já chegando ao clímax: imaginei a pepita ambulante me empurrando pro chão, me derrubando mesmo e saindo, rindo, linda, com meu príncipe sem voz, de olhos esbugalhados e um sorriso de canto de boca.
Dei meu jeito. Tirei ar como um náufrago na hora final. Não se tratava só de uma celebridade cansada dos holofotes em busca de descanso. Era sim uma caçadora em potencial e eu precisava reagir e defender, com minhas armas, a minha caça. Usei as armas possíveis contra uma concorrente deste porte. Levantei educadamente, já puxando o maridão, pedi licença, disse que estava com sede e quase empurrei o companheiro de festa e de vida para me acompanhar em um mojito. Que invisível que nada! Que virar os olhinhos e não ver... Esta mulher é um demônio em forma de gente!
*Jornalista, é editora de Plurale em revista e Plurale em site, com foco em Sustentabilidade. Nasceu e quase sempre morou no Rio de Janeiro, com um período da infância em Recife.